Cenário
A sustentabilidade da rede hospitalar Brasileira vem sendo ameaçada com a pandemia Covid-19, a pergunta do programa DRG Brasil Convida do dia 15 de junho foi: “a integração SUS e rede hospitalar privada seria um bom caminho para garantir a sustentabilidade da rede hospitalar brasileira?” e ainda, “seria esse um bom caminho para garantir acesso da população ao sistema de saúde durante a pandemia?”.
É bastante conhecido e tem sido amplamente divulgado na mídia o impacto econômico da Covid-19, tendo em vista a redução da taxa de ocupação e da receita dos hospitais. Como o público e o privado podem interagir de maneira a manter essa sustentabilidade da rede, garantindo o futuro?
Para discutir essas questões, o DRG Brasil, nas pessoas do Dr. Renato Couto e da Dra. Tania Grillo (Presidentes do Grupo IAG Saúde), recebeu o Prof. Marcelo Carnielo (Diretor da Planisa) e o Dr. Claudio Lottenberg (Presidente do Conselho da Sociedade Beneficente Israelita Brasileira Albert Einstein e do Instituto Coalização Saúde) para uma transmissão ao vivo no Youtube.
Confira a narração dos melhores momentos:
Resposta: Em primeiro lugar, temos que atentar para o fato de o Brasil ter aproximadamente 400.000 leitos, agora provavelmente em função da pandemia esse número é maior, mas aproximadamente 50% desses leitos são privados e os outros 50% são públicos. Isso quer dizer que a parceria público-privada já existe em uma série de frentes, a gente sabe que as Santas Casas (que têm um papel muito importante na área pública) são privadas, então nós passamos a discutir algo que já acontece em nosso meio desde muito tempo, e de forma eficiente, porque se não houvesse esse tipo de participação muito possivelmente a situação de saúde do país seria bastante prejudicada.
Nós temos hoje um sistema único de saúde que é composto por dois financiamentos. Um financiamento de natureza publica, que acontece com recursos oriundos de tributos gerais, e o sistema suplementar, que é custeado através dos planos de seguro saúde das diferentes modalidades. Esses sistemas de financiamento têm limitações, mas a principal delas deriva do sistema de financiamento público, porque tudo isso depende da capacidade de arrecadação da sociedade. Se o Brasil tem apresentado um crescimento do seu Produto Interno Bruto (PIB) pequeno, temos um valor distribuído relativamente pequeno em termos absolutos. Portanto, nós temos que torcer para o crescimento da saúde suplementar para que, de certa forma, alivie o sistema público.
O momento atual é de carências, e eu realmente acho que podemos abrir os olhos para entender que existem certas frentes que o setor público não tem que investir. Eu não vejo o porquê de termos leitos de alta complexidade mantidos pelo público, um sistema que muitas vezes tem difícil mobilidade na forma de contratar, que tem dificuldades para demitir, tem dificuldades para licitar e comprar. Para isso a leveza do sistema privado é muito melhor, e por isso eu vejo essa parceria com muitos bons olhos.
Eu acho que nós temos exemplos muito importantes nos últimos anos de organizações sociais que contribuíram de forma efetiva para o sistema de saúde, com muito mais equidade. Quem sabe nesse momento a gente possa talvez quebrar um paradigma e interromper uma visão muito ideológica, que impede que a eficiência do privado ajude público, e que o caminho público possa se beneficiar de uma série de ociosidades privado, que agora vão ficar aparentes, porque muita gente vai ter medo de ir ao hospital, muita gente vai pressionar pelo sistema de desospitalização, que a rigor já deveria estar acontecendo.
Nós sabemos que 33% daquilo que gastamos em saúde se desperdiça, a gente utiliza de forma imprópria em função de uma série de elementos, como redundância, baixos sistemas digitais e pouca informatização – e mais do que isso, pela mecânica remuneratória. Grande parte da remuneração que acontece no sistema privado ainda é o fee-for-service, e o sistema de pagamento fechado é característico do sistema público, então acho que a gente tem um momento importante de revisão dos processos de assistência, que podem colaborar para uma aproximação entre o público e o privado.
Resposta: As organizações sociais de saúde recebem via orçamento, então o impacto nesse momento é menor nas OSSs do que em um hospital privado com fins lucrativos que trabalha no modelo fee-for-service, seja ele aquele modelo de conta aberta, seja no modelo de conta fechada, que são os chamados “pacotes”. Esses hospitais sem dúvida estão sofrendo mais, porque com a queda da produção, automaticamente há queda da receita.
As organizações sociais, como são orçadas, têm suas metas de produção definidas nos contratos, mas não estão sofrendo nas mesmas condições porque o modelo de remuneração é diferenciado. Então acho que o modelo de orçamento cabe muito bem na área da saúde uma vez que se consegue ganhar em previsibilidade, tanto para quem está pagando, quanto para quem está comprando (esse último no caso dos hospitais ou das organizações sociais que prestam o atendimento).
Portanto esse modelo de orçamento poderia – e em alguns casos já é – levado para a esfera privada, com alguns avanços, como não ter um modelo apenas baseado na produção ou saídas, que é um modelo muito quantitativo, mas em que se pudesse também agregar valores qualitativos e incrementar talvez um orçamento ajustado pelo case-mix e remunerar o hospital com base na complexidade do seu perfil de atendimento.
Então acho que esse modelo de organização social é um modelo de sucesso. Lógico que precisa fazer ajustes, como em todos os modelos, mas ele traz essa perspectiva de um modelo de remuneração onde se tem uma previsibilidade, uma possibilidade de fazer gestão de uma forma mais adequada do que o que é praticado no fee-for-service da esfera privada.
Resposta: Isso passa a ser uma pendência, o exercício tem que ser feito de trás para frente. O mercado está dizendo o seguinte: “Nós não suportamos mais uma inflação de dois dígitos, não toleramos mais essa mecânica de desperdícios, precisamos enxergar como é iremos incorporar tecnologia e envelhecer. Ou seja, ou vocês mudam esse contexto e começam a apresentar para nós que o que significa de fato qualidade e o que é valor, ou então não vamos mais comprar de vocês”.
Então, de um jeito ou de outro, esse mecanismo terá que acontecer, porque a sociedade não suporta mais esse tipo de modelo. Existem organizações que estão mais preparadas para isso e organizações que terão que se preparar, mas efetivamente todas elas vão ter que mudar a forma como atuam, num período que eu entendo não ser tão longo assim.
Resposta: Eu não tenho dúvida, a medicina de valor é discutida hoje em todas as frentes, a questão é colocar em aplicação no dia a dia. Isso não é assunto para a gente apresentar em congresso com base em debate acadêmico, e sim colocar para funcionar, isso está sendo imperativo.
É claro que está acontecendo em áreas onde se é mais fácil fazer, tem cenários onde a previsibilidade é maior, onde temos condição de implementar valor de forma mais imediata, agora a tendência é que isso ocorra também em contextos em que a complexidade é mais elevada.
Podemos contar com o erro, com uma certa imprevisibilidade (como agora), mas alguma previsibilidade nós temos que ter. E é isso que a sociedade espera na saúde, em outras frentes isso já aconteceu e na saúde isso terá que acontecer. Claro que para isso precisamos de uma base digital maior, adotar ferramentas de inteligência artificial, mas teremos cada dia mais que fazê-lo, não tenha dúvida.
Resposta: Esse é um tema extrema relevância e talvez seja o tema central que surge nesse momento da pandemia do COVID: a busca por uma assistência que não é médica, mas inter e multidisciplinar, e que entregue valor. O “valor” seria uma entrega de assistência excepcional recuperando minimamente o nível de saúde do paciente com sustentabilidade de todo o sistema envolvido, e que isso aconteça num ambiente de uma experiência positiva de paciente-família.
O que observamos como grande oportunidade é exatamente é uma melhoria de processos que interajam não apenas dentro dos estabelecimentos de saúde, especialmente os hospitais, mas numa integração da jornada do paciente, desde a atenção primária, passando pelo hospital, retornando à APS. Tudo isso integrado, evitando readmissões desnecessárias, prevenindo internações que poderiam ser evitadas e obviamente processos mais bem articulados que levam maior segurança assistencial, reduzindo eventos adversos que poderiam ser evitados. Com isso teremos também um fluxo e um giro do leito que permita a absorção das necessidades de acesso aos pacientes.
Resposta: Tudo isso nasce com as equipes multiprofissionais. Nós fomos educados dentro de um modelo que visa tratar os pacientes, somos treinados em um ambiente hospitalar, que é um ambiente mais oneroso. Tudo isso que discutimos de prevenção de qualidade de vida, de cuidar das pessoas, não condiz com aquilo que foi o caminho que nos levou a chegar até aqui. Isso significa que a temos que mudar toda uma cultura de atividade assistencial, e essa mudança é sempre muito difícil. Mas quando se cria incentivo econômico, torna-se mais fácil.
O cenário pandêmico está criando uma instabilidade muito grande de todo o sistema de saúde, as operadoras estão tendo uma dificuldade tremenda de imaginar como fazer para ter liquidez, porque o número de usuários está diminuindo. Temos que aproveitar a situação caótica para tirar o melhor dela e aprender para mudar, isso não é tarefa fácil porque as pessoas geralmente preferem empurrar com a barriga.
Eu critico os modelos remuneratórios hospitalares há muitos anos, eu falo sobre desospitalização há muitos anos, eu falo sobre telemedicina há muitos anos, agora tudo isso impõe uma mudança importante em uma mecânica de relação com o paciente, com o prestador de serviços. Nós estamos em uma situação complexa, porém numa grande oportunidade de reverter a forma de tratar um sistema de saúde.
Seja qual for a metodologia, todas elas sintetizam nosso desejo de uma medicina de valor. Quando falamos com pessoas que têm interesse no sistema de saúde, é importante deixarmos muito claro que nosso compromisso é um só: o de manter um sistema de saúde que seja sustentável, mitigando desperdícios e erros que fujam da necessidade do paciente. Tudo isso tem que nascer em algo chamado engajamento do paciente, quer dizer, o paciente tem que ser no fundo o grande monitor dos movimentos.
Mensagem final: Primeiro o engajamento do paciente; segundo precisamos de uma regulação mais flexível; terceiro precisamos enxergar no setor da saúde o foco estratégico para a indústria nacional. É fundamental que a gente possa criar um prognóstico melhor para a nossa saúde, é fundamental fazermos isso no sentido de ter um sistema que possa atender 210 milhões de usuários, na sinergia público-privado.
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Direitos autorais: CC BY-NC-SA
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